José Kappel

Um amor sobrevive a outro amor

Textos


Sou filho do escuro,
e não me apetece brumas;
sou filho regenerado,
mas não sou capitão de escunas.


Sou filho passado e construído,
lentamente, através de meu tempo
e dele não abro mão,nem que me tentem.

 

Sou filho das águas
e não me apetece o largo;
sou filho da álgebra com
o amor.


Na matemática dos dissabores,
nasci aqui com vigor indolor!

 

Não posso mais sentir meia-pena
não posso me envolver nem com os dias
- neles me perco -.


Não posso me envolver com nada 

do espírito,
pois me sombranceio  de angústia.

 

E tudo é palpável como 
brinquedo de criança;
a vida pulsa a cada metro,
e me desaba por dentro
um tino de tristeza,
pois alcançar a vida
não dá mais reteza.

 

De dia branqueia a lua meiada
à noite, ela de gala,
se posta ao meu sombrelo de pala
e diz:
nunca mais, nunca mais
fará parte de qualquer ala.

 

Viro brinquedo disposto
e carinhoso; viro régua de quatro,
mordono de jardim, reta larga,
de mão dupla, corrimão de 
casa velha e, de repente,
se abre um longo
espaço para minha festa interior.


E,assim, estou pronto.

 

Já não sei mais fazer nada.


Sou personalizado!


Receio que me cantem de
eternas orações lá no céu,
por isso tiro o chapéu e
espero.

 

Espero as orações chegarem 
a mim. Mas isso leva tempo.


Até hoje já levou um montão
de milhares de anos; anos e anos,
sem manobristas!


Enquanto isso coloco pela casa,ramos,
faço minha agenda,
ouço as andorinhas,
me remoejo com a indolência.


Hoje sou prato frio,
com amplo estacionamento.


Tenho qualidade no atendimento,
mas perco pela voz e pelo aniquilamento.

 

Assim, passam os dias
e eu rapasso as mãos no vazio,
procurando decalque de estrelas
pra me marejar.

 

Um alívio!


Sopra o primeiro vento de inverno
e eu me guardo.


Tenho medo de ter medo,
tenho receio da apreensão,
tenho pressa de ser o que não sou.

 

E nesta hora quando se falam em santos,
arredo o pé. Tento tanto medo de pertencer
a qualquer céu ou reluzir nesta amarga Terra.


Me dói,sem assistência de fenecer!

Fico só. Tá bom assim.


Abro a janela e vejo passar
meu primeiro sonho da vida:
achar um copo mágico de vinho
e sofregar um gole suave,
pra afastar minha vida
da vida que me criou,
das coisas que disseram que eram
e agora morreram - ou morrendo
estão - 
plenamente e devastado,
pelas minhas mãos vão

eles escorrendo de luto.
 

José Kappel
Enviado por José Kappel em 14/10/2022


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