inócuas são as margaridas
que florescem ao léu de meu jardim de duas entradas e de alento árido. mas não são só margaridas que fazem o sentido do jardim. é não possuí-lo e saber que não sou dono de mim nem de nenhuma flor. então, navego agora onde tudo são sós. mas, era querer demais frutificar em mais pétulas umas frágeis, outras hercúleas. os visitantes só entram na primeira porta - a que não tem saída. a segunda porta é de emergência, para fugas bruscas nas madrugas chuvosas - fora das luas que não surgem - nestas noites de muito empenho para deixar tudo e não ser mais nada. e, segundo consta a maledicência, que corre atenta por esses dias, sou homem de uma só porta. por isso, mandei construir uma segunda porta - a de emergência - que vai dar no pórtico de uma ruela escura e sem nome onde sobrevivem sombras suspeitas e desgarradas de almas e de gente. se não posso, não consigo, se não consigo, não tenho. por isso, sou chamado de homem de uma porta - aquele alado de pórtico viral mas que nem sombra tem para se esconder.. pois, de belgrado ou álamo fuja, e se deixe lá pois quase ninguém sabe onde fica os tais belgrados e álamos. e já a casa perdi, e junto a família, e os desdéns, a fruta e o doce. restou a porta e o jardim e as pobres margaridas que sofrem com meu desalento. a vida me começou uma guerra e não sei acabar. ah! e tudo por ela ! agora sozinho, abro portas de cedro e fecho as janelas de puro abismo. e, sincero, digo lá pro meu medo: vamos morrer em belgrado ou lá no álamo pois lá certamente ninguém vai me chamar de homem sozinho, que um dia amou uma porta sem saída. uma mulher de várias camas e uma pátria sem bandeira. José Kappel
Enviado por José Kappel em 02/07/2017
Alterado em 27/07/2017 |